A Natureza como aliada do desenvolvimento infantil
Por: Filipa Nogueira, Psicologa Clinica
Nos últimos anos, temos assistido a uma tendência crescente para substituir as brincadeiras ao ar livre por atividades estruturadas em ambientes fechados. Até há pouco tempo, era comum ver crianças a brincar livremente nas ruas e a explorar o mundo à sua volta, sem grandes restrições. Hoje, essa realidade parece distante, influenciada por preocupações com a segurança, o medo de acidentes ou violência, e o impacto das novas tecnologias no estilo de vida das famílias. A falta de espaços públicos adequados também contribui para esta nova realidade.
Mas o que estarão as nossas crianças a perder quando limitamos o seu contacto com a natureza? Será que podemos integrá-lo no dia-a-dia, mesmo em ambientes urbanos?
A ciência e a relação entre natureza e desenvolvimento:
Sabemos que o desenvolvimento cerebral nos primeiros anos de vida é profundamente moldado pelas experiências vividas. O cérebro, em constante crescimento, constrói milhões de conexões neuronais influenciadas pelo tipo e pela qualidade dos estímulos recebidos. A natureza, com a sua diversidade sensorial e riqueza de desafios espontâneos, oferece o palco ideal para aprendizagens significativas. Desde o nascimento, a aprendizagem ocorre principalmente através do corpo, com os sentidos e com a interação com o meio envolvente. A exploração de ambientes naturais proporciona uma variedade de estímulos – texturas, sons, cheiros e observação – que ativam áreas do cérebro associadas à criatividade e imaginação. Experiências simples, como caminhar descalço na relva, plantar uma semente ou observar o crescimento de uma planta, despertam curiosidade, promovem o desenvolvimento motor e cognitivo e fortalecem competências essenciais para a vida. A título de exemplo, um estudo realizado por Ratcliffe et al. (2011) demonstrou que crianças que participam em projetos de horticultura escolar, apresentam uma melhoria significativa na identificação de vegetais, maior predisposição para os experimentar e, consequentemente, um aumento do consumo destes alimentos. Isto reforça como o envolvimento ativo com a natureza não é apenas uma experiência sensorial, mas sim uma ferramenta poderosa para promover hábitos de vida saudáveis.
O contacto com o meio ambiente pode também desempenhar um papel crucial no desenvolvimento da linguagem. Ambientes naturais incentivam a curiosidade, levando as crianças a nomear, descrever e interagir verbalmente com o que encontram. Investigadores na Universidade de Queensland (2017) descobriram que crianças expostas regularmente a sons da natureza apresentavam uma maior precisão na discriminação de fonemas, um fator essencial para o desenvolvimento da linguagem. Além disso, o vocabulário infantil tende a expandir-se quando a criança é incentivada a descrever texturas, cheiros e cores, tornando a aprendizagem mais concreta e significativa.
À medida que crescem, espera-se que as crianças desenvolvam funções cognitivas mais complexas, como a resolução de problemas e a tomada de decisões. O contacto frequente com a natureza estimula funções executivas, como a capacidade de atenção, e o planeamento. Cuidar de uma horta, por exemplo, incentiva a observar, analisar, experimentar e adaptar estratégias – competências que se refletem noutras áreas da vida e na aprendizagem académica. Além disso, o tempo ao ar livre está associado a uma redução dos níveis de stress, a uma maior regulação emocional e a uma melhoria do bem-estar geral, em parte graças à exposição à luz solar, que favorece a produção de serotonina, um neurotransmissor crucial para o equilíbrio do humor.
Como integrar a natureza no dia-a-dia?
Num mundo cada vez mais urbano, como podemos garantir que as crianças mantêm este vínculo essencial com a natureza? A resposta pode estar mais perto do que imaginamos. Criar pequenos espaços verdes em casa ou na escola, pode ser uma maneira simples e prática de nos aproximar do ambiente natural. Plantar, regar, cuidar e colher envolve trabalho em equipa, responsabilidade e resiliência. O processo de acompanhar o crescimento de uma planta, desde a semente até à colheita, promove um sentimento de realização e autoestima, além de fortalecer a compreensão sobre a importância da alimentação saudável e do respeito pelo meio ambiente.
Convite à ação
A evidência científica e as experiências práticas mostram que a natureza não deve ser vista apenas como um espaço de lazer, mas sim como um ambiente rico em oportunidades educativas e emocionais que contribuem para o desenvolvimento integral das crianças. Agora que sabemos que este contacto melhora a aprendizagem, promove a saúde mental e fortalece competências essenciais para a vida, o que vamos fazer de diferente?
Vamos semear hoje o que queremos ver crescer amanhã. Está nas nossas mãos cultivar essa mudança.